Alvo de denúncias, modelo das OS perde espaço no Rio de Janeiro

1 de setembro de 2020
Por: Vânia Rios

No centro das denúncias de corrupção que levaram ao afastamento do governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), a terceirização da administração de unidades de saúde pública pelas chamadas Organizações Sociais (OS) vem sendo questionada por gestores e especialistas tanto do ponto de vista administrativo quanto sanitário, e deve recuar no Estado nos próximos anos.

Com contratos sob investigação, questionamentos legais e o fim da exclusão dos gastos com seu pessoal dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), essas associações privadas e sem fins lucrativos perdem contratos nas redes estadual e municipal do Rio.

O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão afirma que a proliferação desse modelo é ruim por fragmentar a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), pensado para ser integrado e, também, por cortar o vínculo entre o Estado e profissionais contratados. Além disso, a pulverização de contratos – arquitetada sob a tese de estímulo à concorrência – teria aberto espaço para um mercado privado paralelo irrigado com dinheiro público e ilegalidades que vão desde indicações políticas para cargos técnicos chaves até o superfaturamento de contratos.

Uma das saídas, diz ele, estaria na substituição das OS por fundações públicas de direito privado, capazes de contratar fora do regime jurídico único e com maior flexibilidade para compras. Ele julga importante eliminar a limitação dos custos de pessoal com saúde imposta pela LRF, que seria o principal gatilho para que os gestores públicos optem pelas OS. Suas despesas com folha ainda não são contabilizadas dentro dos limites fiscais, o que muda a partir do ano que vem por definição de portaria do Tesouro Nacional.

Na capital fluminense, a prefeitura adotou um modelo próximo do sugerido pelo ex-ministro. Desde o ano passado, o executivo local não renova contratos com OS da Saúde, cujas funções vêm sendo assumidas pela empresa pública Rio Saúde. Das 11 organizações que atuavam na cidade até o fim do governo anterior, só quatro mantêm contratos ainda ativos com o poder público, informa a prefeitura.

No Estado, Witzel anunciou em 20 de agosto que, ao longo dos dois próximos anos repassaria a administração de todos os hospitais estaduais sob sua alçada para uma “fundação pública”, em detrimento das OS. Na ocasião, em sua conta no Twitter, o governador disse que a “análise preliminar” da atuação de uma das OS no Estado indicou que a mudança poderia gerar economia de até 40% no valor do contrato. No caso do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), o desconto seria de 25%.

Subsecretário de Saúde do município, Jorge Darze afirma que o avanço de OS na cidade na última década fragilizou a rede pública, o que teria ficado patente durante a pandemia no Rio. Para ele, houve foco muito grande em saúde da família, o que funcionou em parte, mas deixou escanteado o investimento em reformas prediais e tecnologia para diagnóstico. Darze, no entanto, evita generalizar. “A corrupção não é um carimbo no DNA das OS, é coisa de algumas direções”, diz.

O epidemiologista da Fiocruz Daniel Soranz tem visão mais moderada quanto às OS. Ele diz que, em vez de se buscar eliminá-las, essas organizações devem ser entendidas como um modelo de gestão complementar a ser equilibrado com os demais – administração direta, fundações ou empresas públicas e compra de serviços pelo SUS na rede privada.

Soranz foi secretário municipal de Saúde de 2013 a 2016, sob a prefeitura de Eduardo Paes (DEM), quando os repasses às OS chegaram ao recorde histórico de R$ 2,2 bilhões no ano. No início da década, esse montante era de R$ 360 milhões. Apesar dos gastos, parlamentares fluminenses ouvidos pelo Valor reconheceram que, no período, houve melhoria e expansão da atenção básica local.

“A grande solução é abrir os processos de compra e de preço e obrigar o máximo de informação pública na internet”, diz. Ele também destaca o risco das limitações fiscais para o equilíbrio dos formatos de gestão na saúde, o que favorece a escolha de OS.
Fonte: Valor Econômico

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